Durante o correr dos milênios muitas foram as barbáries sofridas e cometidas pela humanidade, cujos próprios verdugos, indubitavelmente, confundem-se com as vítimas, porque em virtude da ocorrência do mau não existem bem-aventurados; não existe justiça se os meios pelos quais a procuramos não forem coerentes com os elementos condicionadores da felicidade, refiro-me aqui à felicidade real de cuja única forma possível de adquiri-la, é na pratica efetiva do Bem.
A violência, o morticínio, a fome, a omissão são forças opostas à natureza humana, opostas pelo simples fato de promoverem no homem lesões que oprimem seu espírito, causando, no mesmo, insatisfações que o forçam a buscar o Bem, a fim de pô-lo em harmonia novamente com a natureza que lhe é inerente; o Bem se anula quando os meios para atingi-lo não correspondem com os fins, que é a paz.
O homem, nos dizeres Hobbesianos, tem sido “lobo de si mesmo”, perpetuando as desigualdades, promovendo segregações de diversas naturezas em torno de si mesmo, em todas as épocas da humanidade. Embora tais ideias permeiem nosso intelecto, pelos fatos que a história e o presente nos revelam, consideremos ainda um importante imperativo que nos fará ponderar em torno deste mister: é o fato de reconhecermos o mau e distinguirmos o apropriado do inapropriado. Ora, se identificamos as más ações do homem e reprovamo-la, tal ocorrência implica dizer que nossa natureza nega e repudia o mau, logo, não o desejamos… Portanto, o homem não é mau por natureza, embora haja argumentos que afirmem o contrário, como os que asseveram ser o homem egoísta e que este somente repudia o mau quando for ele o oprimido.
Que o homem tenha em sua alma a perversidade e que esta seja caractere integrante de sua identidade como tal. Neste caso, o que consideramos ruim, não o seria… Seria na realidade um contra-senso, haja vista a natureza proporcionar a cada elemento aquilo que seja necessário para a manutenção de uma vida saudável. Ou seja, para conhecer o que faz mal a algum ser, basta observar o que ele necessita para manter-se saudável, orgânica e psiquicamente; se algo faz mal, se proporciona dor e deformações no espírito, isso significa que suas causas não fazem parte do ser em questão. Se o fizessem, seria natural e admissível, pois a criatura humana estaria, na prática do mau, realizando algo intrínseco a sua natureza.
Eis que realizo aqui uma defesa ao ser humano, como sendo este bom por natureza, embora ignorante em sua primitiva condição. Em sua vida, na medida em que vai experimentando as diversas realidades possíveis, neste processo continuo de aprendizagem, ele vai identificando o que realmente é bom para si, em conhecendo o Bem, é natural que se abstenha do mal. Buscamos em todas as épocas da humanidade conhecer as verdades universais, preocupamo-nos em conhecer a nós mesmos, para entender qual é o melhor caminho a ser seguido… Temos buscado a paz. Neste percurso caminhamos por veredas desconhecidas, desta forma pudemos conhecer o bem e o mal, através da experiência. Por ignorância caímos diversas vezes nos caminhos da destruição, das guerras e do caos… Descobrimos, todavia, que o melhor caminho a ser caminhado é o da paz, e por isso foram criados diversos tratados internacionais… Por isso discutimos os Direitos Humanos e é por isso que filosofamos, para conhecermos o Bem. Adequado se faz mencionar aqui, em virtude da grande importância que existe em torno do conhecimento de si mesmo, a máxima a qual direcionou o maior filósofo de todos os tempos em sua jornada filosófica: Sócrates, certa vez, ao procurar o oráculo de Delfos, leu a seguinte frase escrita na entrada do templo: “Homem, conhece-te a ti mesmo”. Que maravilha! O filosofo jamais foi o mesmo. Direcionou suas perscrutações ao que ele considerou, a partir daquele momento, o que havia de mais importante em matéria de conhecimento, o próprio homem. Conhecendo sua essência, seria capaz de atingir a alegria, o estado de plenitude, e assim esteve compenetrado por toda a sua vida. Falta-nos o conhecimento das essências, o que realizamos ao julgar o homem um animal preso as paixões, é condená-lo ao eterno fracasso. Desconsideramos, dessa forma, os inúmeros exemplos que habitaram a terra e que foram a personificação das virtudes mais aspiradas, há citar: o próprio Sócrates, Sêneca, Jesus Cristo, Mahatma Gandhi, Martin Luter King, etc….
Como reforço à minha defesa, citarei uma das observações feitas por Sócrates em virtude do homem, quando ele diz: “Nenhum homem há de preferir o mal, conhecendo o bem”. Ora… é imperioso conhecer o bem que muitas vezes está distante das massas. Por ignorância, começamos um momento na história de terror e vivemos respirando os ares impuros da discórdia; construímos grandes muros eletrificados e nos isolamos dentro de nós mesmos. Perpetuamos o mau, pois ainda não auferimos a força necessária para quebrar o ciclo milenar dos erros.
A história nos mostra que houve uma evolução na conduta humana. Não mais assistimos em praças públicas execuções de pessoas, seja em fogueiras ou em enforcamentos; discutimos os Direitos humanos e a distribuição de riquezas para todos, sem distinções de raça, cor, sexo ou por convicções religiosas e ideológicas. Somos hoje um mundo mais humano, evitamos mais os erros e estamos em busca dos acertos. Muito caminho falta ser percorrido para que se chegue à condição humana amadurecida, somos ainda crianças, não nos conhecemos por completo.
Considerar o homem mau por natureza, nada mais é, do que querer perpetuar-se na mesma condição; argumentos desta propriedade são desculpas cômodas para não procurarmos o progresso. Quando passarmos a ter fé em nós mesmos, reconhecendo o potencial de felicidade e de bondade de que somos competentes para conquistar, daremos um grande salto. Para isso, é preciso reconhecer primeiro que a condição humana segue um estágio de amadurecimento, por isso não se deve pegar a parte pelo todo e fazer um julgamento a priori. Não se condena uma criança à infelicidade eterna por um erro cometido em sua condição infantil, é certo que quando adulto não cometerá os mesmos erros infantis. Assim, deposito minha confiança no ser humano, convicto de que alcançaremos um dia o amadurecimento desejável.
Hênio Aragão