Por toda a noite cai a chuva, atravessando a escuridão triste e solitária,
como a banhar a humanidade com as lágrimas serenas dos deuses,
trazendo ao coração do poeta as condições mais perfeitas para a versificação daquilo que deveras sente
e que derrama em torrentes por todos os poros,
em cada ato exalando sua poesia consubstanciada em sentimentos de infinitas nuances…
em cada gesto,
na expressão de um olhar,
na intensidade de um sorriso…
no mais puro desejo de amar
Os pássaros encarcerados ecoam seu canto cativo, como que a reclamar ao poeta:
“−Canta conosco, poeta, o Amor, a Vida, a tua felicidade, as tuas dores.
Toma a tua alma a lira e deixa que o teu coração cante as melodias que te fazem viver…”
Neste comenos, o velho bule ferve sob a intensidade do fogo o café,
este com seu aroma todo inspirador a convidar ao deleite de uma agradável xícara, enquanto a vírgula no verso espera fecundamente.
Ao lápis, neste mesmo diapasão, o coração passa a confidenciar-lhe todo o seu amor, a fim de que descreva com ternura a imagem dos seus devaneios, dos sonhos que o visitam mesmo em vigília.
Em breves instantes é possível nos versos que seja contemplada a imagem que inebria e que encanta o poeta…
Eis que a bela musa se revela.
E seus olhos,
ah! seus olhos,
tão negros e desafiadores…
em seu fito imerge o amante em instantes tão profundos e eterno, quanto suaves e enternecedores…
Embalado pela ótica, assim enfeitiçado, reclama à musa o ósculo sonhado…
E com quão gracioso sorriso, dela antecipado, doce beijo ele sorve.
Transladando-se aos mundos etéreos, lócus da felicidade, o infinito penetra em seu coração…
e o infinito ao coração pertence, porque ilimitado é o amor que verdadeiramente sente.
Ao desenlaçar dos lábios, com ternura a bela se despede e o amante, absorto, fecha os olhos, ali permanecendo, na imensidão da sua alma,
nas profundezas do cosmos criado pela união de seus sonhos,
até o retorno,
ao toque da lótus em seus sentidos, balsamizando a sua vida…
O lápis, eivado de vida, nas linhas derradeiras três pontos ali rasura, na esperança de que o poeta a ele retorne com sua perpétua canção de amor…
Hênio Aragão